Conto de Inverno (1992)
O inverno de Rohmer tem o calor das relações humanas
“Felicié vive um dilema: divorciada, se relaciona com dois homens, o livreiro Loic e seu chefe, o cabeleireiro Maxence. Na verdade, ela não consegue se decidir entre os dois porque não esquece Charles, o amante com quem perdeu contato 5 anos antes.”
Ambientado numa fria França apresentada com takes externos que contextualizam a estação do filme, Rohmer mais uma vez filma com precisão, em tons escuros e cores frias mais um complexo drama das relações humanas. É importante destacar isso porque os dramas de Rohmer não apresentam grandes momentos, grandes acontecimentos ou grandes pontos de virada. Tudo tem exatamente a mesma importância e as falas expressam com simplicidade questões profundas das relações pessoais.
Nesse “conto” a religião é bem presente, seja nas imponentes igrejas que aparecem ou seja nos infundidos diálogos sobre planos existenciais, reencarnação e propósitos de vida. É interessante ver mais uma vez como Rohmer aplica falas imersivas, e bem embasadas em grandes autores de filosofia e literatura, traduzidas em palavras fáceis que — de fato — soam como conversas plausíveis e reais entre cidadãos “comuns” (comuns, aqui, me refiro a não estudiosos dos temas ontológicos e metafísicos em questão). Mas o culto a literatura (e ao literal) está também nas várias estantes repletas de livros que descansam nas paredes dos cenários, sem contar na citação direta ao “Conto de Inverno” de Shakespeare.
É uma história de amor sobre maturidade nos relacionamentos e maturidade nas tomadas de decisões. É também uma história de fé, nem sempre a fé no sentido religioso, mas a fé como um instinto humano de esperar por algo (ou alguém) e ter isso como uma motivação para tocar com os dias.