A Mulher Rei (2022)

Esse Eu Vi
4 min readJan 27, 2023

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Já que é pra ser comercial que seja então decolonial

Inspirado no grupo de guerreiras africanas do Reino de Daomé (território do atual país Benin) chamadas “agojie”, ou amazonas de Daomé como eram conhecidas pelo europeus, A Mulher Rei tem como protagonista a General Nanisca (Viola Davis), a líder do exército de elite do Rei Guezô de Daomé (John Boyega), que está sempre protegendo o reino e aconselhado seu rei nas decisões mais estratégicas e delicadas em relação aos reinos vizinhos — que caçam e sequestram uns aos outros para vender seus cativos como escravos para o europeu — e em relação aos europeus — que exploram a mão-de-obra e as matérias-primas africanas.

A palavra de ordem aqui é representatividade. É inconcebível pensar que, há uns 20 anos no mínimo, um grande estúdio norte-americano investiria num filme sobre a grandiosidade de uma mulher negra africana lutando contra um sistema escravagista e degolando europeus. Os constantes debates sobre a relevância do papel feminino na sociedade (e na história) e sobre a importância de estudo da história negra africana galgaram o caminho até a execução de A Mulher Rei. Então apenas o fato de o filme existir já é relevante e histórico.

Os pormenores da história são contados através de Nawi (Thuso Mbedu), uma jovem que se recusa a ter um casamento arranjado pelo pai e acaba virando recruta das agojie, e de outras soldados que compõem o exército de guerreias. Destaque para a personagem Amenza, interpretada com vigor pela expressiva atriz Sheila Atim, que dá suporte emocional e físico para Nanisca. Viola Davis é irretocável e aqui ela emprestou seu corpo sua alma para protagonista da aventura, mas ela não carregou o filme só, as atrizes Thuso Mbedu, Lashana Lynch, Sheila Atim e até mesmo Adrienne Warren — que tem menos tempo em cena dos que as outras — têm cenas enfáticas tanto nas sequências de ação quanto na distribuição de momentos chave no roteiro. Mas falando em representatividade, pareceu preguiçosa a opção de colocarem dois atores britânicos para interpretar um personagem português e um brasileiro.

Mas é válido provocar que aqui a função é mais importante do que a forma. Por mais que “o que está sendo dito” seja novo, seja impositivo e seja revolucionário, a “maneira que está sendo dita” é um tanto conhecida e repetida. E não estou falando puramente da jornada do herói (das heroínas) e da narrativa em 3 atos usadas com facilidade para preencher as lacunas dos fatos históricos e compor o roteiro, mas de escolhas de referências feitas pela diretora Gina Prince-Bythewood. Gina é uma diretora versátil que dedicou quase toda sua filmografia a produções de cinema e televisão focadas em personagens negras e negros. Ela já dirigiu ação, romance, drama, comédia e vemos aqui que ela sabe dosar tudo isso, mas a soma dos fatores faz com que o resultado seja um filme de ação padrão Hollywood da melhor qualidade, com um romance como roteiro secundário, personagens coadjuvantes que roubam a cena e um final glorioso, e isso não é reclamação, se for para ter filmes assim que sejam contando novas histórias e histórias mais relevantes, mas faltou identidade própria para o filme se tornar ainda mais memorável.

De qualquer forma é bom poder dizer com um certo alívio que Hollywood, mesmo que tardiamente, abriu os olhos para a “história que a História não conta” — citando o saudoso samba-enredo mangueirense de Deivid Domênico e companhia. São quase 100 anos da grande indústria de cinema estadunidense dando ênfase (as vezes necessária, as vezes apelativa e as vezes puramente sádica) a história negra como pessoas sofridas e resistentes ao sistema de escravidão que implica até hoje numa sociedade doente e racista. O pré-escravização e o passado glorioso do negro parecem nunca ter interessado estúdios majoritariamente formados por velhos homens brancos e o motivo é retórico. Mas não pense que por isso os negros deixaram de contar suas histórias. Existem, por exemplo, grandes produções da chamada Nollywood (a “Hollywood” da Nigéria) que abordam a história, a cultura e a fantasia africana sob as mais diferentes perspectivas. E por mais que não tenham o primor técnico das produções americanas, esses filmes tem uma textura narrativa e uma estética que não se consegue replicar.

A Mulher Rei se consolida como um filme confiante e emotivo. E mesmo que não fosse tudo isso, apenas pelo fato de ter incomodado a grande parcela incel da sociedade que tem medo de mulher em posição de destaque e acha que o negro protagonista é mimimi, aqui, ou woke, lá, ele pode sair de cena satisfeito com o que realizou.

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Written by Esse Eu Vi

Ávila Oliveira - Crítico de cinema desde 2012

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