A Filha do Palhaço (2022)
Conflitos de paternidade e força da arte se completam em história cativante
Joana (Lis Sutter), uma adolescente de 14 anos, aparece para passar uma semana com o pai, Renato (Demick Lopes), um humorista que apresenta seus shows em churrascarias, bares e casas noturnas de Fortaleza interpretando a personagem Silvanelly.
É engraçado ver como rapidamente associou-se o longa do diretor cearense com o britânico Aftersun assim que o primeiro trailer fora divulgado. Eu torcia para que, apesar da temática semelhante, o cearense me trouxesse um reconhecimento maior, me trouxesse mais sentimento, mais verdade e menos situações artificias que foram grandes problemas para mim no longa de estreia da promissora Charlotte Wells. E o resultado foi precisamente preenchendo cada uma dessas lacunas gradativamente no decorrer de A Filha do Palhaço.
O primeiro longa-metragem do cineasta Pedro Diógenes em direção solo traz características que ele já havia abordado em suas produções anteriores desde o Alumbramento até o seu mais recente Inferninho (2018). O uso constante de músicas como molde da narrativa, as performances artísticas com um lirismo quase onírico e um ou mais protagonistas sempre a procura de um autoconhecimento e um propósito de autossatisfação estão mais uma vez presentes num texto honesto e direto, mas nem por isso simples. O roteiro do drama apresenta nuances e camadas que se somam na construção de um retrato fiel e de fácil identificação do real, e ainda assim, sem pender para a crueza de um documentário.
Demick Lopes entrega mais uma atuação impecável que sabe seus limites e exatamente o que tem que fazer seja com o Renato seja com a Silvanelly. As participações de Jesuíta Barbosa e Jupyra Carvalho também ajudam a solidificar as interações pessoais dos personagens centrais e abrilhantam uma das cenas mais encantadoras e divertidas do filme. No entanto, Lis Sutter infelizmente não consegue se colocar a altura de seus parceiros de cena, e faz com que alguns momentos que exigiam uma expressividade mais limpa ficassem aquém do que poderiam atingir.
Para nós cearenses talvez o filme ganhe ainda mais subtexto e emoção quando lembramos do eterno Paulo Diógenes e de sua personagem Raimundinha, que serviu de inspiração livre para Silvanelly e que foi uma das figuras mais emblemáticas para o humor regional e para a as causas sociais que defendia. A produção fica marcada por, além de tudo isso, a canção Tô Fazendo Falta, da cantora Joanna, que fala quando faltam diálogos e resume o vínculo dos protagonistas. Mas é com a citação de Sonhos de um Palhaço, do cantor e compositor Antônio Marcos — música que Paulo Diógenes usava em seu número como Raimundinha — que o sentimento do filme se desnuda: o mundo sempre foi um circo sem igual, onde todos representam bem ou mal, onde a farsa de um palhaço é natural. Mais uma vez o cinema nacional, que não precisa provar nada a ninguém, se mostra competente, maduro e inspirador.